segunda-feira, 9 de abril de 2018

Convém não esquecer isto!


Comemora-se, hoje, o aniversário da Batalha de La Lys

Portugal foi para a Guerra para não perder as colónias cobiçadas, na altura, pelos ingleses e alemães. Escrevi com o saudoso amigo Coronel Virgílio Barreto Magalhães um livro sobre um nosso conterrâneo, combatente e médico nessa Grande Guerra: “Fernando de Miranda Monterroso, O Homem, O Herói e o Benemérito”.


Quisemos fazer a memória deste Homem bom pela seguinte razão: Este homem bom, herói de guerra e benemérito da nossa terra estava praticamente esquecido e até a sua foto tinha desaparecido do Asilo que a expensas suas tinha criado no Marco. Este Militar deixou grande parte da sua fortuna à Misericórdia do Marco e criou três bolsas de estudo, que serviram de exemplo a que outras fossem criadas pela autarquia.


Sobre a Batalha de La Lys, deixamos escrito o seguinte:” Esta incursão (dos alemães), desenhada numa situação de desespero, teve como seu arquitecto, o General (alemão) Erich Ludendorff. Concebeu-a para ser em grande escala, aterradora, feita de rompante, em massa e numa altura que pudesse surpreender o lado mais frágil das tropas luso-inglesas que ocupavam a Flandres. Deu-lhe o nome de “operação Georgette”, e entregou o seu comando ao General Ferdinand von Quast.


Esse lado era o que estava a cargo das tropas portuguesas, praticamente abandonadas por Portugal, depois do golpe de estado, com que Sidónio Pais tomou conta do poder, prendendo Afonso Costa, chefe do Governo, e exilando o Presidente da República.

(…)

Por volta das 4h15m da madrugada desse dia, arrancou, de surpresa o ataque. Mais de um milhar de bocas de fogo dispararam sobre a frente ocupada pelas tropas portuguesas e o seu impacto foi sentido como um terramoto horrendo e inimaginável, abrindo crateras com mais de 20 metros de diâmetro que engoliam soldados e armamento.


Este ataque intenso, massivo e em profundidade foi feito com oito Divisões (cerca de 55mil homens) numa primeira linha, cinco na segunda e três na terceira. Teve como alvo o 11º Corpo Britânico e o CEP que, como sabemos, ocupavam uma área de 55 km de frente, entre as localidades de Gravelle e de Armentiére. Mas o grosso do ataque fez-se contra o sector considerado mais débil, o ocupado pela 2º Divisão das tropas portuguesas.



A resistência em linha, como era a das trincheiras, sem capacidade de mobilidade, cedeu e as forças alemãs romperam o flanco esquerdo da defesa portuguesa, onde se fazia a ligação entre as forças das tropas comandadas pelo general Gomes da Costa e as forças britânicas da 40ª Divisão.

(…)

Por volta das 8h30m já não havia praticamente combatentes portugueses na primeira linha e a “avalanche” avançou como um rolo compressor sobre a linha B, atingindo rapidamente a zona das aldeias. Tudo foi feito com violentíssimos bombardeamentos de artilharia e ataques de gás que destruíram a 1ª e a 2ª linha de infantaria e cortaram as comunicações telefónicas e telegráficas.



As explosões de granadas e obuses passaram a atingir os comandos das brigadas, as posições da artilharia da Segunda Divisão do CEP, inclusivamente o seu Quartel-general.

A “chuva de metralhada”, como lhe chamou Augusto Casimiro (um poeta com o posto de capitão, natural de Amarante) no seu livro “Calvário da Flandres”, arrasou tudo e todos. O intenso fogo, o bombardeamento dos aviões e as granadas de gases foram pondo fora de combate milhares de militares.



Apesar da resistência heroica, foi impossível aos soldados portugueses, sem reforços, suster aquela “avalanche” de “boches”, com melhor armamento e em quantidade abissalmente superior.



Quem não morreu nem se entregou, entrou em pânico numa fuga desesperada e sem norte. Em apenas quatro horas de batalha, o general Costa Gomes perdeu 7.500 soldados, entre os quais 327 oficiais e cerca de 100 peças de artilharia.



A própria coordenação dos serviços de saúde tornou-se impossível. Não se conseguia formar uma coluna automóvel de transporte de feridos: o fogo inimigo tinha destruído a maioria dos veículos e os que restaram estavam avariados.



Neste contexto, o Cirurgião-Médico, Dr. Fernando Monterroso, mais uma vez, demonstrou ser um oficial corajoso, proficiente e determinado. Podia-se dizer dele o que disse Ferreira do Amaral (um oficial de carreira que também tinha estado em África e comandou na Flandres os soldados de infantaria de Tomar, Faro e Penafiel) numa indirecta aos oficiais pretensamente patriotas: “Não resolvi ir de repente, no entusiasmo dos vivas e excitado pelo som dos clarins e trombas da guerra, mas por dever de militar".



Nessa altura, Fernando Monterroso, chefiava os Serviços de Saúde da 2ª Divisão sediado em Lestrem e recebeu ordem do comando do XI Corpo do Exército Britânico para se deslocar para Saint-Venant.



Como não conseguiu transporte para essa deslocação e é informado que não há garantias para que em tempo oportuno o consiga, fê-lo a pé e envidou todos os seus esforços para reunir todos os que foi possível encontrar feridos, desorientados ou em debandada.

(…)

Como reza a justificação para ser galardoado com a medalha da “Batalha de La Lys”, a sua decisão salvou muitas vidas, foi considerada heróica e contribuiu para levantar o nível moral das tropas”.

A catástrofe de La Lys, com as suas consequências, as inúmeras perdas de combatentes e humilhações sofridas, transformou-se num pesadelo que fez esquecer no CEP todas as glórias do passado recente na Flandres. E elas não foram poucas!...

(…)


Este sentimento de frustração gerava mágoas profundas, de difícil cura, que eram sempre acompanhadas de queixumes: nas cantinas, nos gabinetes, em todos os locais onde conviviam combatentes, não faltava o dedo acusatório virado para Sidónio Pais, para os “cachapins (os beneficiados da guerra), os ingleses e os oficiais que aproveitavam vir de gozo de licença a Portugal e depois obtinham a desmobilização, com base no decreto nª 3959 de 30/03/1918, conhecido pela lei do “roullement”.



A substituição, ao fim de um ano, das tropas mobilizadas para a Flandres nunca aconteceu. O governo português de Sidónio Pais foi o único que, nas palavras do subchefe do estado-maior do CEP, coronel Ferreira Martins, “infligiu aos seus soldados o suplício intraduzível de lhes dizer que estão ali para sempre até que um tiro, um estilhaço ou uma tuberculose os tire dessa guerra, cuja duração ninguém podia prever”.



Compreendia-se, por isso, que nos duros rostos dos soldados portugueses desaparecessem os apegos que lhes faziam enaltecer a sua pátria e sentir orgulho em cumprir um dever patriótico. Vivia-se, agora, um profundo sentimento de ingratidão, tratamento arbitrário, humilhação, sofrimento e tristeza.


Chegavam-lhes, ao arrepio da censura, notícias da epidemia do tifo e da gripe, também conhecida por gripe espanhola ou pneumónica, que semeavam a morte em Portugal, mas nem isso superava a dor do abandono a que tinham sido votados, a consciência de que já não eram um corpo expedicionário, mas restos esfrangalhados de baterias, companhias e batalhões que, por ordem dos ingleses, eram dispersos por diversas unidades britânicas.



Humilhados pelos britânicos e traídos pela Pátria, em nome da qual eram soldados portugueses que morriam, ficavam mutilados física e psicologicamente, encarcerados ou desaparecidos, sentiam a sua alma de combatentes dizer o que escreveu o Coronel Ferreira do Amaral: “Sidónio Pais tratou-nos como gado de pastagem em montado”.



Foi neste contexto que Fernando Monterroso desabafou numa carta a Francisco Moreira de Magalhães, foi o de ter de reviver os locais e as situações que obrigaram a enterrar à pressa soldados tombados na batalha e assistir à morte inútil dos que foram incapazes de resistir aos ventos frios e húmidos da Flandres, que, com tosses intermináveis, lhes roubava a vida, sem ter ninguém, de perto, a valer-lhes”.



A Batalha de La Lys tem um lado que as comemorações esquecem: a traição dos políticos portugueses daquele tempo aos homens que, ao darem a vida pela sua pátria, deixaram as suas famílias cobertas de preto e muitas vezes na miséria.



É bom não esquecer isto!


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